Um dos coordenadores do livro, André fala sobre as principais questões abordadas no livro e sobre o panorama jurídico da eletromobilidade no Brasil.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – Gostaria que você se apresentasse brevemente e falasse um pouco dos objetivos, da proposta desse livro e como chegaram a esse compilado.
André Fortes Chaves – Bom, muito obrigado pela oportunidade de falar um pouco sobre mim e sobre o livro.
Eu sou André Forte Chaves, eu trabalho em advocacy pelo tema de eletromobilidade, tenho pós em relações institucionais, em direito de energia e mestrado em direito e economia. Tenho acompanhado esse tema de eletromobilidade desde 2018, quando foi criada a primeira frente parlamentar para discutir o tema, que acabou sendo dissolvida. E no ano passado foi criado uma nova é frente parlamentar, com presidência do senador Rodrigo Cunha.
Do ponto de vista jurídico, a gente percebeu que tinha uma escassez de produção, de conhecimento sobre o tema. Foi aí que surgiu então ideia de criarmos um compilado, com especialistas nacionais e internacionais para compor, para fomentar a discussão sobre o tema e para produzir conhecimento jurídico a respeito também.
Então, são 14 autores e 11 artigos compilados nesse livro. Eu espero que vocês aproveitem a leitura.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – Quando se fala em produção, técnica ou científica, em relação à eletromobilidade, ainda há tem uma escassez muito grande no Brasil. Você tem visto nos últimos anos um avanço da produção científica, vocês que estão atuantes nessa área, ela tem se desenvolvido mais?
André Fortes Chaves – É curioso você perguntar isso, porque realmente o Anuário da PNME ainda cumpre um papel preponderante na consolidação de temas, de informações de dados, crescimento do mercado e sobre novos instrumentos de políticas públicas.
Então, eu entendo que o tem havido um aumento na produção de conhecimento, mas ainda é muito pouco e a expectativa é que, com a frente parlamentar, com a discussão da mobilidade verde, a gente tenha mais produção. Mas acho que ainda falta bastante né, do ponto de vista…. eu posso falar do ponto de vista jurídico, que é a minha área. Mas do ponto de vista de engenharia eu acho que tem já um pouco mais de conteúdo do que jurídico, por exemplo.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – No livro há um capítulo dedicado a falar sobre essa responsabilidade civil das distribuidoras de energia elétrica. Poderia falar um pouco sobre qual é o panorama atual, onde é precisa avançar nessa questão.
André Fortes Chaves – Do ponto de vista da disponibilidade de energia, existe um aumento que é da geração distribuída de fontes renováveis. Destaque aí para solar, mas também a eólica, que acompanham o crescimento da venda dos eletrificados. E a gente precisa pensar do ponto de vista de responsabilidade jurídica, qual é a responsabilidade das distribuidoras em caso de se tiver um apagão, um evento no fornecimento de energia. Na resolução 1000 de 2021, da ANEEL, fala-se sobre a responsabilidade de danos elétricos a veículos elétricos no contexto da recarga. Do ponto de vista técnico, as distribuidoras estão bastante protegidas, tem vários mecanismos, tanto na instalação do eletroposto quanto no próprio carro. Tem o BMS (Battery Management System) que mitigam esses riscos. Mas é um tema a ser a ser discutido. Por exemplo, será que poderiam as distribuidoras serem responsabilizadas juridicamente por uma falha de fornecimento de energia elétrica por conta de eventos climáticos que derrubaram ou comprometeram a as linhas de transmissão? Entendo que não, mas isso é um dos temas que a gente vai encontrar nesse artigo que você mencionou sobre responsabilidade civil.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – Ainda não temos uma unicidade das leis e das regulações do país, até mesmo por essa falta de um plano nacional específico para eletromobilidade. Quais são as principais lacunas e ambiguidades você tem visto na legislação, principalmente na legislação tributária dos veículos elétricos?
André Fortes Chaves – Olha, eu apontaria como item número a infraestrutura de recarga. Se você pegar o arcabouço jurídico brasileiro, você vai ver que as estações de recarga até hoje são previstas ainda só no nível Infralegal, nessa mesma resolução que eu mencionei, que é a 1000 de 2021. E você tem outros países com ecossistema mais maduro, como Portugal, temos até um artigo no livro que fala, onde são definidas, são determinadas quais são as responsabilidades e obrigações de cada um dos agentes do ecossistema sistema. E no Brasil, a gente ainda não tem isso. Como eu falei, estação de recarga é tratada ainda apenas a nível Infralegal, sem diretrizes ou principiologia própria, que é muito importante. Eu posso citar aqui, por exemplo, que Portugal tem o princípio da universalidade de acesso. Significa que qualquer pessoa que quiser ter acesso a uma estação de recarga pública, ela não pode ser discriminada pela marca do veículo, pelo meio de pagamento que está utilizando, pois existe esse princípio da universalidade. Nós temos um projeto de lei no Senado que tem mais ou menos esse viés, mais sistêmicos sobre a infraestrutura de recarga, mas ainda está em fase bastante inicial de tramitação, então ainda teria bastante caminho aí para evoluir.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – No livro há algumas experiências internacionais, como Portugal e Alemanha. Você acha que é possível fazer uma adaptação dessas experiências para a realidade brasileira?
André Fortes Chaves – É possível, com certeza, aprender com essas experiências internacionais. Eu não diria aí reproduzir, eu acho que nosso mercado tem particularidades. O modelo de Portugal tem uma entidade agregadora, que é um ente estatal, chamado “mobi.e” e que inviabiliza a concorrência de mercado para exploração da atividade de prestação de serviços de eletromobilidade. No Brasil a forma como se tem sido desenvolvido é o contrário disso, você tem uma diversidade de agentes. Mas, por exemplo, é no artigo da Alemanha, a gente fala sobre uma regulação preventiva contra manipulação de dados, manipulação de informações, que é um tema que é bastante importante de ser, de ser enfrentado. Assim como as bombas de combustível também podem sofrer manipulações, ter informações manipuladas, as estações de recarga basicamente são hardwares com os softwares, eles têm como conexão à rede, e por isso eles são manipuláveis. Então tem sim como a gente aprender com a experiência desses mercados mais maduros.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – Quais são as iniciativas governamentais, legislativas, que você considera que são as mais importantes atualmente à nível de eletromobilidade no Brasil e como que elas podem ajudar nessa parte de induzir uma maior regulamentação?
André Fortes Chaves – O Mover com certeza é a bola da vez. E um programa que foi instituído pelo governo federal no dia 30 de dezembro de 2023. E o foco dele é a produção, o desenvolvimento de tecnologias no Brasil, produção de veículos caminhões e outras outros modais. Do ano passado para cá também teve muitas discussões, por exemplo, sobre a autonomia dos veículos, como que ela é reconhecida no Inmetro, e também sobre a tributação sobre importação de veículos elétricos. Tudo isso influencia o ecossistema. Eu entendo que o Mover talvez seja hoje um instrumento regulatório, o instrumento de política pública mais importante para o ecossistema, mas eu concordo com você, que ainda falta um plano nacional que dê lógica interna, que crie diretrizes internas para o sistema da mobilidade elétrica.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – Como que essa análise do impacto regulatório, essas ações já de advocacy, podem contribuir pra o desenvolvimento de políticas públicas?
André Fortes Chaves – É muito interessante ser essa pergunta, porque eu trabalho de advocacy basicamente consiste nesse no fomento ao diálogo entre o setor produtivo, a sociedade civil e os tomadores de decisão. Então, para que a gente tenha um plano nacional, para que a gente tenha uma lei nacional de eletromobilidade, é importante que o mercado se faça ouvido, pra que as leis não sejam muito destacadas da realidade.
Acho que, por exemplo, recentemente a PNME foi citada para a criação do plano nacional (da eletromobilidade) e isso é grande desafio, porque deve contemplar diferentes nichos. Tem os ônibus, os caminhões, os veículos leves, o espaço urbano, tem os espaços entre a as cidades. E o plano de advocacy é importante para trazer uma lógica, para trazer uma consistência no que se apresenta para o governo.
Esse tema, quando foi publicado o documento da nova indústria, você vê que lá tem outros temas que também foram previstos, como editais para rodovias concedidas, como forma de criação de infraestrutura nas rodovias.
Então, tudo isso precisa ser visto com a uma visão sistêmica. Assim como tem legislação trabalhista, tributária, que são microssistemas dentro do ordenamento jurídico, eu defendo e Acredito que eletromobilidade precisa ser vista e tratada como um microssistema também.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – O livro aborda algumas coisas que têm sido bastante discutidas recentemente, como, por exemplo, a questão dos títulos verdes, os green bonds. Você considera que o avanço dessas discussões pode ser um caminho para que a tenhamos um maior investimento em mobilidade sustentável no país?
André Fortes Chaves – Sim, com certeza. Eu acho que um dos temas prioritários para esse ano, em termos de transição energética, são os créditos de carbono. Os créditos de carbono são muito importantes para você quantificar a quantidade de gás carbono emitido, mas também é capturado em determinados setores da indústria. E pode haver essa compensação, que é muito bem vinda para o Brasil, porque nós temos uma matriz preponderantemente renovável. E se falarmos em puramente elétricos, a nossa rede elétrica, ela é 80% baseada em energias renováveis. E mesmo que a gente fale de biocombustíveis também, eles têm um perfil bastante interessante porque, quando produzida, a cana-de-açúcar para o biocombustível, existe muita captura de gás carbônico. Então, os créditos verdes são realmente são ferramentas muito importantes, que tendem a beneficiar o Brasil.
Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica – Quais são os pontos principais temas abordados no livro, pensando principalmente na realidade brasileira? Qual que é o foco atualmente desses aspectos trazidos na obra?
André Fortes Chaves – No livro a gente busca uma multiplicidade de olhares, na verdade. A gente buscou tanto aspectos contratuais, quanto é proteção de dados, que é regulado pela lei de proteção de dados. Contratos, como que são as perspectivas de contratos a longo prazo dentro do ecossistema também. E existe uma tendência de integração entre empresas.
A gente falou também sobre a tributação dos eletroposto, que existe ainda, apesar da reforma tributária ter sido aprovada, uma indefinição sobre qual é o tributo que deveria incidir sobre a atividade de exploração de recarga, se seria o ICMS ou ISS. Nós temos dois artigos que falam sobre soluções tributárias para esse dilema.
Então, na verdade, a gente falou agora há pouco que falta um marco legal próprio para eletromobilidade, a pensou pontos de diversas perspectivas.
Sobre o lançamento:
Livro: Eletromobilidade: Aspectos Jurídicos e Regulatórios
Dia: 19 de março 2024
Horário: 19h00
Local: Livraria da Travessa,
CasaPark, SGCV/Sul Lote 22, Brasília
O livro também pode ser adquirido no site da editora Lumen Juris. Acesse aqui.